sexta-feira, 8 de maio de 2015

Rotulagem de ingredientes transgênicos: boa para quem?

Esse texto busca contribuir com alguns esclarecimentos sobre o que está em jogo na recente votação sobre a rotulagem dos alimentos transgênicos na Câmara dos Deputados¹, na qual a maioria votou contra a identificação nas embalagens dos componentes modificados geneticamente, contidos naquele produto.

Para começar, sementes transgênicas são aquelas que foram transformadas em laboratório para que possam receber alguma característica desejável pelo seu criador, na maioria das vezes grandes empresas multinacionais. As mais conhecidas são as que recebem uma modificação que as faça resistir à aplicação de agrotóxicos ou a determinadas pragas. Atualmente, a maioria das plantações de soja e de milho, no Brasil, é transgênica.  

Quando essas tecnologias foram disseminadas há pouco mais de 15 anos, as empresas publicaram que a resistência a agroquímicos seria apenas uma primeira fase. A promessa era de que com o passar dos anos, os transgênicos seriam utilizados para fins mais nobres.

O que temos visto, é que a tecnologia empregada atualmente ainda é, preponderantemente, voltada à produção de sementes resistentes as pragas e agrotóxicos.

Usando o milho como exemplo: antes das sementes transgênicas, o produtor precisava aplicar vários tipos de herbicidas nas entrelinhas da plantação, para controlar as ervas daninhas. A nova tecnologia desenvolveu uma planta tolerante, permitindo a aplicação de um só tipo de herbicida área total, o glifosato.

Com o tempo, as plantas daninhas começaram a ficar resistentes às aplicações continuas do glifosato, o que é normal. Então, as indústrias criaram uma nova semente transgênica, resistente a dois tipos de herbicida, o glifosato e o 2,4-D. Desta forma, os dois produtos químicos podem ser aplicados em área total ampliando a gama ervas indesejadas controladas.    

Para o consumidor essa notícia não é nada positiva. O 2,4,D é ainda mais tóxico que o glifosato, e certamente os resíduos desses herbicidas no grão de milho irão aumentar quando comparados  aos grãos convencionais. 

Para quem não sabe, um dos componentes do agente laranja utilizado na guerra do Vietnã era o 2.4-D, e por isso tantas críticas com relação ao provável aumento do seu uso na produção de alimentos.

Mas todo transgênico é ruim?

Não necessariamente.  Como já dissemos, existem aplicações nobres para essa tecnologia, como a fabricação de medicamentos, resistência de lavouras à seca, adaptabilidade a condições climáticas especificas entre outras.

Mas porque não se criam plantas transgênicas que reduzam a necessidade de agrotóxicos?

Toda patente de molécula química tem um prazo de validade, isto é, se determinada empresa desenvolve um produto para aplicar em lavouras, pode usar sua patente por 10 anos.  Após esse período, outras empresas podem fabricar um produto com o mesmo principio ativo, e assim concorrer com a criadora original.

Por exemplo, após 10 anos do desenvolvimento e utilização do herbicida Roundup, e com a abertura de sua patente, outras empresas começaram a produzir o principio ativo, o glifosato,  a preços bem menores que o original,  reduzindo a lucratividade de sua produção.

Já sabendo que essa lógica faz parte do negócio, desenvolveu-se a soja, o milho e o algodão tolerantes à aplicação do Roundup. Assim, foi iniciado um novo ciclo no qual os produtores que se utilizam das sementes transgênicas, precisam comprar também o pacote tecnológico associado àquela commodity para garantir a produção esperada.

Nesse sistema, o ciclo econômico da cadeia do agrotóxico foi fortalecido. O produtor recebe a tecnologia dos traders (semente transgênica + herbicidas + adubos) e em troca, devolve parte da produção colhida e paga um royalty à empresa que desenvolveu a semente transgênica.    

Com relação a atual obrigatoriedade da rotulagem e o entendimento dos motivos que podem levar ao seu fim, as empresas de alimentos alegam que o símbolo confunde os consumidores já que a maioria deles não sabe o que significa “produto transgênico” e que não há provas de que esse tipo de alimento possa causar problemas à saúde humana.   

Atualmente, pelo menos 64 países² exigem que a presença de transgênicos em alimentos seja explícita. Entre eles estão o Japão, Austrália, Rússia, China e União Europeia.  Nos Estados Unidos³ há forte campanha nesse sentido. 

E no Brasil, o consumidor deve ter o direito saber se o produto que está consumindo tem componentes transgênicos?


Eduardo Trevisan Gonçalves - Engenheiro agrônomo, MBA em agronegócios – Gerente de Projetos e Secretário Executivo Adjunto do Imaflora.

2 comentários:

  1. Eduardo, seu texto fala bastante sobre os transgênicos, mas quase nada sobre a rotulagem. Afinal, se um produto transgênico é considerado seguro pela Autoridade Nacional (isto significa dizer que ele pode ser consumido da mesma forma que o produto convencional), que sentido faz o rótulo?Na minha leitura, é um atendimento a uma pressão política e nada tem a ver com posição preccavida, respeito aos consumidores ou coisas assim.

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    1. Prezado Paulo, obrigado pelo comentário. No meu ponto de vista, até o momento a grande maioria dos alimentos transgênicos disponíveis trazem mais benefícios às empresas que comercializam sementes, agroquímicos e a alguns produtores, do que aos consumidores. Por mais que a Autoridade Nacional permita o uso de alguns alimentos transgênicos, sabemos que existem uma série de estudos sérios que mostram riscos à saúde humana para alguns dos alimentos transgênicos que são comercializados. Desta maneira, entendo que os consumidores deveriam ter a oportunidade de escolher o que consumir e a rotulagem nesse caso torna-se importante. Eduardo Trevisan Gonçalves

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