Heidi Buzato e Luis Fernando Guedes Pinto
4 milhões de trabalhadores assalariados rurais, dos quais
apenas 40% têm carteira de trabalho assinada e os outros 60% vivem na
informalidade, podem perder seus direitos básicos caso seja aprovado o Projeto
de Lei 6442/2016. A extensão da jornada para 12 horas diárias e o já previsto
aumento dos anos de contribuição para a Previdência Social devem acarretar uma
sobrecarga de trabalho, sobretudo, para as mulheres do meio rural
A enorme relação de supressão de direitos trabalhistas,
que está sendo chamada de reforma pela base governista no Congresso, vai ganhar
um novo capítulo: 166 artigos referentes aos direitos do trabalhador rural
foram reunidos no Projeto de Lei 6442/2016, que está na Comissão Especial da
Câmara dos Deputados. Caso aprovado, devolveria as relações de trabalho no
campo para uma situação de precariedade e de ausência de regulamentações
semelhantes às do início do século 20. Somem-se a isso, as alterações previstas
na Consolidação das Leis do Trabalho, e
as mudanças nas regras para a aposentadoria, que já passaram pelo
escrutínio da Câmara e aguardam votação no Senado. Assim, o retrocesso em
direitos arduamente conquistados seria sem precedentes.
Estamos falando de um universo de 4 milhões de
trabalhadores assalariados rurais, segundo o DIEESE , dos quais apenas 40% têm
carteira de trabalho assinada. Os outros 60% vivem na informalidade e sem
nenhum direito garantido.
A manobra no governo e no congresso deixaria todos sem
direitos, ao invés de garantir o mínimo para
o trabalho com dignidade e segurança.
Por isso é com muita apreensão que acompanhamos as
discussões sobre esses temas, já que pode implicar na perda de direitos básicos
dos trabalhadores rurais, que vimos monitorando desde 1995, por meio da
aplicação de sistemas de certificação socioambiental voluntários no campo. A
certificação colabora para o cumprimento da legislação dos países onde é
aplicada, o que possibilita que as garantias oferecidas pela CLT e convenções
fundamentais da Organização Internacional do Trabalho confiram ao trabalhador
das fazendas certificadas as condições adequadas para a realização de um
trabalho seguro e digno – ainda que ocorram falhas no cumprimento dessa
legislação, sobretudo em relação ao elo mais fraco dessa cadeia, o
trabalhador temporário.
O cumprimento da CLT no campo, avaliado e monitorado pela
certificação, assegura o recebimento do salário mínimo, o descanso semanal remunerado,
o controle e pagamento adequado pela tarefa realizada, a hora extra e a jornada
de 8 horas diárias. Da mesma forma, a Norma Regulamentadora (NR) 31,
proporciona condições seguras de trabalho ao exigir do empregador, o
fornecimento de equipamentos de proteção (EPI), a realização de exames médicos
que comprovam a aptidão ao trabalho, o fornecimento de água potável durante a
jornada de trabalho, entre outras medidas que visam a saúde e a segurança do
trabalho.
As mudanças previstas com o fim da NR 31 atingiriam
diretamente esses direitos dos trabalhadores e trabalhadoras permanentes e dos
safristas. Ao permitir a realização do trabalho sem EPI, o trabalhador fica
exposto à contaminação por produtos químicos que aplica na lavoura; a falta de
realização de exames médicos também possibilita que trabalhadores inaptos para
a tarefa ou portadores de doenças o façam mesmo correndo o risco de piorarem
sua condição de saúde. Também há que se ressaltar que o trabalho rural é
realizado sob o sol, o que torna imprescindível o fornecimento de água potável,
livre de contaminantes, durante a jornada de trabalho.
Insegurança e sobrecarga
Outro ponto que já tem sido alvo de muitas críticas é o
pagamento de salário em forma de moradia e alimentação, valores que podem chegar,
somados, a um total de 45% do salário. No nosso entender, caso aprovada, a
proposta também geraria enorme insegurança, e tiraria do trabalhador o
direito de usar seu salário para
escolher onde morar e como se alimentar.
Mas as consequências da reforma em discussão para o
trabalhador rural não terminam nesses pontos. A extensão da jornada para 12
horas diárias e o já previsto aumento dos anos de contribuição para a
Previdência Social devem acarretar uma sobrecarga de trabalho, sobretudo, para
as mulheres do meio rural, que se dividem entre o trabalho no campo e os afazeres domésticos. Segundo
dados do PNAD (2014), 70% delas começam a trabalhar antes dos 14 anos, porém,
amenizando em parte essa carga, lhes é assegurado, até agora, a
aposentadoria aos 55 anos.
Ponto já aprovado da reforma trabalhista, na Câmara o
acordo coletivo ou individual do contrato de trabalho, que pode ser sobreposto
à CLT, é outro dos temas controversos. No caso dos trabalhadores rurais, com
menos recursos jurídicos e menos informações para negociar junto ao empregador,
o impacto pode ser grande Os sindicatos, normalmente, tem pouca
representatividade e, em muitos casos, são fracos, com pouco poder de defender
os interesses dos trabalhadores.
Trata-se de grande retrocesso nas condições de trabalho,
alcançadas em décadas de lutas dos trabalhadores, que apenas com a Constituição
Federal de 1988 tiveram seus direitos equiparados ao do trabalhador urbano e
que, antes disso, contavam apenas com o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963,
conquistado após os conflitos agrários dos anos 50. Esperamos que essas
reflexões contribuam para o debate no Senado, que pode reverter esse quadro e
para sensibilizar o executivo para a revisão do tema que, em alguns artigos,
não deixa de lado apenas conquistas legais e legítimas mas relega a segundo
plano direitos essenciais para a dignidade do trabalhador.
Heidi Buzato é a responsável técnica pela área social do
IMAFLORA. É formada pela Unicamp, tem mestrado na área de recursos florestais
pela ESALQ/USP e faz doutorado em gestão e planejamento territorial na
Universidade Federal do ABC.
Luis Fernando Guedes Pinto é gerente de certificação
agrícola do IMAFLORA. É Engenheiro Agrônomo e tem doutorado em Fitotecnia ,
pela Esalq USP e é fellow da Ashoka.
Fonte: Diplomatique
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