sexta-feira, 9 de junho de 2017

A aplicação do Código Florestal ainda está em espera

Evento que marcou os cinco anos da lei debateu as controvérsias e os problemas na regulamentação ambiental

Representantes do governo, pesquisadores, jornalistas e ambientalistas se reuniram no fim de maio para debater a aplicação da Lei Florestal no estado de São Paulo. O evento “Código Florestal em São Paulo: impasses e oportunidades”, que aconteceu no dia 25 durante a manhã toda na capital paulista, mostrou que o modo como cada setor da sociedade vê a lei e sua aplicação é desigual. Na plateia, mais de 110 pessoas interessadas, incluindo advogados e demais especialistas da área ambiental, pontuaram o evento com questões e referências da aplicação da lei em outros estados.

O evento foi dividido em duas etapas. A primeira contou com uma contextualização sobre os cinco anos do Código Florestal, feita por Luis Fernando Guedes Pinto, representando o Observatório do Código Florestal e o Mais Floresta PRA São Paulo. Segundo ele, o maior avanço do Código foi a criação de um Cadastro Ambiental de imóveis rurais (CAR), que possibilita o planejamento ambiental em escala individual e de paisagem. Também permite uma maior transparência sobre o uso da terra no Brasil. “O conceito dos Planos de Regularização Ambiental (PRAs) serem elaborados para cada estado, seguindo as suas especificidades socioeconômicas e ambientais também seria uma potencial fortaleza da nova lei”, afirma.

 “Todavia, apesar da grande adesão ao CAR, passados cinco anos a Lei anda não saiu do papel pois o governo federal e os estaduais ainda não definiram os principais instrumentos para a sua real implementação no campo”, completa Guedes Pinto. Para o especialista, o CAR não foi validado e muitos PRAs não foram definidos. “Alguns PRAs, ao invés de avançarem, retrocederam nos estados. Os incentivos econômicos ainda não foram definidos e não mudamos o paradigma de somente termos comando e controle para o funcionamento de uma lei ambiental. Enfim, apesar dos avanços potenciais, em cinco anos estamos longe de o Código Florestal cumprir a sua finalidade de ordenar a conservação da vegetação nativa em imóveis rurais”, finaliza.

Pesquisa

Em seguida, o professor Gerd Sparovek (ESALQ/USP) apresentou o projeto temático "Áreas prioritárias para compensação de Reserva Legal: pesquisa para o desenvolvimento de uma ferramenta para auxílio à tomada de decisão e transparência no processo de implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) no Estado de São Paulo", realizado com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – a apresentação pode ser vista aqui.

De acordo com Sparovek, é muito difícil encontrar economista que não seja financeiro, que consiga expandir seus olhares para o meio ambiente e para a importância dele. A pesquisa conduzida por ele já mostrou que pode haver uma redução da cobertura vegetal em áreas onde é impossível existir compensação. Pior, esse desmatamento aconteceu em locais de importância ecológica muito alta. Inclusive, a vegetação nativa ficou desprotegida em áreas sem aptidão agrícola. O professor mostrou que a maior parte dos imóveis rurais no Brasil com déficit de áreas de preservação permanente (APPs) são os maiores.

"Os ingredientes da implementação da lei seguem a mesma lógica do agronegócio. Ou seja, a lógica dos programas de desenvolvimento agrário", afirmou. Isto é, a lei florestal tem pontos positivos, o CAR é um deles, mas há um questionamento quanto a sua adesão e eficácia. Há uma polarização política que impede o desenvolvimento da aplicação da lei. E o governo federal acaba repassando as atribuições legislativas e executivas aos estados. "Em São Paulo, parece que a área ambiental do estado parece estar acéfala ou com dificuldade de ser mediador", provocou Maurício Tuffani, jornalista e editor do site Direto da Ciência que mediou esse primeiro painel. Os demais concordaram com a ideia. "Em São Paulo, falta liderança para mudar. Falta querer mudar", disse Guedes Pinto.

Ação judicial

Em seguida, teve início o debate sobre a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) com foco na ação judicial (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que o suspendeu no estado. Os palestrantes se posicionaram sobre a regularização e a ação apontando possíveis benefícios e prejuízos que podem decorrer: Rubens Rizek, secretário adjunto da Secretaria de Agricultura e Abastecimento; Francisco Godoy Bueno, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira; Ivy Wiens, assessora técnica do Instituto Socioambiental (ISA); Roberto Resende, representante do Mais Floresta PRA São Paulo; com a mediação de Giovana Girardi, repórter de ambiente do Estadão.

Os artigos da regularização do Código Florestal em São Paulo questionados pelo Ministério Público são: 9 - O prazo de 20 anos para recompor as APPs e todas as modalidades de compensação de RL; 12 - Permite a revisão dos termos de compromissos ou instrumentos similares; 17 - Caracteriza a atividade de aquicultura como de interesse social; 27 - Prevê não proteção do Cerrado e anistia de RL; 35 - Permite revisão de limites de Reserva Legais já constituídas; 40 - Permite a legalização de ocupação de APPs em área urbana.

“Nestes seus cinco anos, a Lei Florestal ainda está incompleta na prática. Apesar de alguns avanços, faltam diversos pontos para que ela funcione. Como, por exemplo, regulamentos e principalmente decisões para sua implementação, para as oportunidades que ela apresenta possam se concretizar”, acredita Roberto Resende, representante do Observatório do Código Florestal e o Mais Floresta PRA São Paulo na segunda mesa. Ivy Wiens apresentou os problemas que povos e comunidades tradicionais enfrentam ao fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR). "O CAR não foi pensado para gestão de território colaborativa", afirmou Wiens.

Entre eles os problemas apontados estão: apoio integral dos governos para a realização do CAR em áreas não tituladas, mas sim autodeclaradas; garantir a isonomia no tratamento do CAR para Territórios Quilombolas; considerar o uso tradicional dos recursos naturais nos territórios respeitando o território integral e não fragmentado. Ao mesmo tempo, Wiens mostrou as oportunidades que o programa de regularização ambiental (PRA) pode oferecer para eles e demais grupos rurais como a coleta de sementes, produção de mudas, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e Cota de Reserva Ambiental (CRAs) – títulos representativos de cobertura vegetal que podem ser usados para cumprir a obrigação de Reserva Legal em outra propriedade.
São Paulo

"Temos que ser honestos com o estado de São Paulo pelo desempenho de excelência", disse Francisco Godoy Bueno, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, como contraponto. Ele acredita que a Lei não deu autorização para o desmatamento, mas, sim, regras de transição para preservar diminuindo imposições sobre situações que não existiam. Para ele, os serviços ambientais precisam se converter em ativos: “Fato, valor e norma. Nenhum dos três pode prevalecer", acredita Bueno.

Rubens Rizek, secretário adjunto da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, contou que quando a Lei foi proposta, “tomamos um susto grande porque era complexa”. E afirmou: "A Lei Florestal tem que ser cumprida". Como Bueno, ele acredita que São Paulo puxou a velocidade do Governo Federal nessa questão. "Lançamos o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) na frente de todo mundo”, afirmou. Sobre os pontos da aplicação da lei no estado de São Paulo, questionados pelo Ministério Público, e relatados no evento pelo Roberto Resende, Rizek diz: "A Lei Paulista não extrapolou a Lei Federal". "Antes cumprir a lei em 20 anos do que não fazer nunca", completou.

"Nós, o governo, estamos tentando ter as condições mínimas para dar segurança à nossa equipe. Precisamos dar o mínimo de segurança jurídica para o funcionário, assim saiu a lei estadual", explicou Rizek. Para ele, deve-se deixar a discussão no Supremo sem esperar para fazer o mínimo que a lei mandou fazer. Prometendo um debate acalorado ao longo destes cinco anos de lei, finalizou-se o evento. Agora, todos os setores estão aguardando os seguintes passos do Ministério Público e que o CAR seja concluído. E, assim, o evento se tornou um marco na agenda ambiental do estado de São Paulo. Um lugar para todos se atualizarem sobre os bastidores da aplicação da lei e de debate de diferentes posições, algo tão necessário para a nossa sociedade. Ainda mais, agora, neste período histórico em que vivemos.

Organizadores

O Observatório do Código Florestal (OCF) é constituído por uma rede de 23 organizações que compartilham do objetivo geral de monitorar a implementação da nova lei florestal (Lei Federal 12651/12) em todo o país, sobretudo o desempenho dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e de seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), de forma a gerar dados e massa crítica que colaborem com a potencialização dos aspectos positivos da nova lei e a mitigação de seus aspectos negativos. Saiba mais: www.observatorioflorestal.org.br

O #MaisFlorestaPRASaoPaulo é um movimento de instituições, pessoas e coletivos que reconhecem a importância das florestas para a qualidade de vida dos paulistas e trabalham para que políticas públicas como o Programa de Regularização Ambiental do Estado (o PRA) viabilizem um real aumento à sua cobertura florestal. O movimento se iniciou em janeiro de 2016 quando um grupo de instituições e pessoas, insatisfeitas como os resultados e processo de construção deste Programa, se articularam para reivindicar maior transparência e objetividade nas normas de sua implementação. Pediu ao governo um processo mais democrático e protestou contra a revogação da Resolução 004/2016 da Secretaria de Meio Ambiente, que estabelecia alguns critérios para o PRA paulista.

Veja a matéria na Iniciativa Verde



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