Iniciativas de governos de países desenvolvidos e
integrantes do setor empresarial precisam fazer parte de estratégia conjunta.
Marina Piatto*
Começou a COP 25, a Conferência das Nações Unidas sobre
as Mudanças Climáticas, que deve trazer como questão central a seguinte
pergunta: quem paga a conta do combate às mudanças climáticas? A urgência em se
manter a temperatura global no limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais
e zerar as emissões até 2050 aponta a necessidade de se mudar o tom do debate.
Isto porque o patamar de investimento em iniciativas climáticas prometido aos
países em desenvolvimento (US$ 100 bilhões investidos por ano, em 2020) ainda
está longe de ser atingido. Um relatório da OCDE de 2018 mostrou que os gastos
foram de apenas US$ 48,5 bilhões em 2016 e de US$ 57,6 bilhões em 2017. Uma das
formas de financiamento do combate à crise climática dará o tom das discussões
nesta COP. Serão negociadas novas regras para os mercados de carbono, visto que
o consenso em torno do funcionamento desse mecanismo não foi alcançado na
última cúpula, em Katowice, na Polônia.
Essa disposição de discutir medidas mais efetivas esteve
presente na ultima Semana do Clima de Nova York, realizada em setembro. Mais do
que um "call to action", foi um "recall to action". A
chamada para a ação já foi feita: é preciso agora que governos, empresas e
sociedade partam, de fato, para a ação. O quadro apresentado foi de falta de
avanços nos compromissos e de ações não implementadas, e da necessidade de
atuação conjunta. No lugar de iniciativas isoladas de governos, são urgentes
ações como a da União Europeia, que está regulamentando uma lei para que os
países do bloco só possam importar produtos de cadeias livres de desmatamento.
A lei deverá entrar em vigor em 2022, e pode se tornar uma má notícia para o
Brasil, que acaba de liberar a plantação de cana-de-açúcar na Amazônia e ainda
assiste a um movimento de produtores para suspender a moratória da soja, um dos
principais compromissos de combate ao desmatamento em cadeias produtivas.
Do lado das empresas, as iniciativas também precisam ser
conjuntas. É inegável que existem movimentos por parte de grandes companhias
para estabelecer compromissos junto a fornecedores e ampliar a rastreabilidade
de suas cadeias produtivas. Mas, por maiores que elas sejam, não conseguem
sozinhas mudar o cenário de forma estrutural. E a maioria ainda permanece
imóvel ou faz muito pouco, por receio de perder competitividade. É preciso que
haja uma estratégia coletiva por parte de setores empresariais, o que permitirá
que todos seus membros caminhem na mesma direção, com segurança. As cadeias
produtivas são longas e é preciso conhecer a origem das matérias-primas por completo, acabando com ilegalidades.
Soluções para o uso responsável do solo pelos produtores já existem, mas é
necessário investimento para que haja maior capacitação, adoção das práticas e
monitoramento. O quanto as empresas estão dispostas a pagar por isso ainda é
uma incógnita. Se, por força de uma decisão setorial, uma petroleira tiver que
investir em combustíveis renováveis ou uma grande empresa energética precisar
aumentar seu portfólio de fontes de energias limpas, elas o farão com certeza
de que não vão perder mercado por conta disso. Pode ser um empurrão importante.
Outra oportunidade de mercado que foi discutida na Semana
do Clima de Nova York e deverá fazer parte dos debates na COP são os pagamentos
por serviços ambientais, recompensando aqueles que preservam seus ativos e
contribuindo diretamente para o sequestro de carbono por meio da manutenção de
recursos hídricos, reservas naturais e biodiversidade. Ao valorizar
financeiramente a manutenção de áreas que conciliam conservação e produção,
governos e iniciativa privada podem contribuir para reverter a lógica da
exploração e destruição, criar uma nova fonte de renda para quem produz e
conserva e estimular o desenvolvimento de uma economia da floresta em pé.
Os mercados financeiros também são um ator fundamental.
São os gestores de grandes bancos ou fundos de investimentos que decidem onde
serão aportados milhões em aplicações. Na Semana do Clima, por exemplo, foi
debatido o papel do mercado de investimentos e fundos de pensão ao financiar o
crédito agrícola ou a compra e venda de terras, sendo assim peça-chave para o
desenvolvimento sem novos desmatamentos e de práticas de baixo carbono. Mais
uma vez, a decisão não deve estar atrelada apenas à visão de curto prazo.
Recentemente, um grupo de 230 fundos de investimentos responsáveis pela
administração de US$ 16 trilhões (valor maior que o PIB da China, de US$ 13
trilhões) emitiram um comunicado em que pediam ao Brasil ações concretas para
conter o avanço do desmatamento e das queimadas na região da Floresta
Amazônica. Pelo tamanho e alcance do grupo envolvido, é uma atitude
considerável. A iniciativa não foi baseada em "bom-mocismo", mas sim
na preocupação deles com os possíveis impactos financeiros e de reputação nas
empresas investidas, que poderiam ter dificuldade de acesso a mercados caso se
vissem envolvidas com desmatamento em suas cadeias de suprimentos.
O poder que o setor privado tem em mãos pode ser até
maior que o de governos nacionais, pois conseguem mobilizar cadeias produtivas
que ultrapassam fronteiras. Mas é preciso que esse olhar para investimentos
responsáveis seja a prática comum, não uma exceção em momentos de crise aguda.
O preço para lidarmos com as mudanças climáticas hoje está dado. Mas, se não
aproveitarmos a COP para definirmos como vamos arcar com ele, mais tarde
teremos que rever a conta para cima.
*Marina Piatto, gerente de Clima e Cadeias Agropecuárias
do Imaflora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário