O combate à pobreza
passa pela utilização de políticas públicas capazes de incentivar o crescimento
da agricultura familiar. Essa é uma das razões apontadas pela Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para declarar 2014 como o
Ano Internacional da Agricultura Familiar. Para a FAO, a atividade, tem papel fundamental
no cumprimento do primeiro objetivo do desenvolvimento do milênio, além de desempenhar
outros papeis, como a preservação dos alimentos tradicionais, a proteção da
agrobiodiversidade e dos recursos naturais, além da proteção social e das
economias locais.
O tema está na agenda
do IMAFLORA desde que foi fundado em 1995, e é analisado aqui, em suas diversas
dimensões, pelo engenheiro agrônomo e gerente de certificação agrícola, do
Instituto, Luís Fernando Guedes Pinto.
Radar – Qual o papel
da agricultura familiar e como você vê a iniciativa da ONU?
A agricultura
familiar tem múltiplos e fundamentais papéis no Brasil e no mundo. É a
principal atividade econômica e a responsável pela segurança alimentar de
milhões de famílias. Contribui decisivamente para a produção de alimentos que
vão à mesa da nossa população, como arroz, feijão, mandioca, leite e diversos
outros produtos que estão nas feiras livres, mercados locais e até nos grandes
supermercados. Além disso, garante a manutenção de uma base genética de várias
espécies cultivadas e, por vocação, é um laboratório para a inovação em
produção agroecológica.
A iniciativa da FAO é
muito importante para chamar a atenção da população e dos tomadores de decisão
sobre a importância da agricultura familiar, em escala global. Porém, acho que
a ambição da FAO e dos países deveria ir muito além da questão da redução da
pobreza. A agricultura familiar pode, e deve, ter protagonismo em um projeto de
desenvolvimento do País, incorporando as dimensões econômicas, sociais e ambientais.
Deve-se considerar que é necessário um conjunto de políticas públicas para
alcançar este ambicioso objetivo: extensão rural, educação, crédito, seguros,
pesquisa e outros instrumentos para uma mudança de escala e qualidade da
agricultura familiar.
Radar – Qual é a realidade da agricultura familiar no
Brasil? Qual sua importância para o Brasil?
A realidade no Brasil
é muito diversa e, talvez, desconhecida do nosso povo. A sua abrangência é
definida pela Lei 11.326, publicada em 2006, e compreende uma ampla diversidade
de populações, entre agricultores, silvicultores, pescadores, extrativistas e
até povos indígenas. Todos tem em comum a produção em pequenas propriedades, a
maior parte do trabalho realizado pela família, e a atividade agropecuária,
florestal ou extrativista como a principal fonte de renda, entre outros
aspectos.
No Brasil este
universo representa por volta de 80% dos estabelecimentos rurais, mas ocupando
apenas aproximadamente 25% da área total, tendo participação importante na
produção de diversos produtos da nossa base alimentar.
Portanto, há uma
grande diversidade de perfis de agricultores e modos de produção, e isso se
acentua regionalmente, com realidades muito diferentes entre um extrativista da
Amazônia, um pescador de Santa Catarina, uma agricultora do Nordeste ou do
cinturão verde da cidade de São Paulo. Mas, de modo geral, a agricultura
familiar está dividida entre os projetos mais estruturados, que conseguem
produzir, gerar riqueza e manter ou melhorar a qualidade de vida da família e
aqueles que continuam lutando pela sobrevivência e a superação da pobreza. No
balanço, estamos longe do potencial que a agricultura familiar poderia estar.
Ainda não conseguimos formular e implementar um conjunto de políticas consistentes
para alavancar a agricultura familiar.
Radar – Como o trabalho do IMAFLORA se insere na
agricultura familiar e porque essa atividade foi escolhida como uma das áreas
de atuação prioritária da instituição? Onde atua e com quais trabalhos?
O IMAFLORA trabalha
com extrativistas da Amazônia e agricultores e agricultoras familiares de
algumas regiões do país, em duas frentes distintas e complementares.
Historicamente, a principal delas tem
sido gerar capacidade e condições para estes terem acesso e possibilidade de
participarem e se beneficiarem da certificação socioambiental. As certificações
podem gerar oportunidades de inserção em mercados diferenciados e promover
melhorias de gestão, conservação ambiental e condições de trabalho em
empreendimentos florestais e agrícolas. Mas tendem a ser pouco acessíveis para
os agricultores familiares. O nosso trabalho tem sido de aumentar a inclusão,
seja por meio de subsídios de custos de auditorias de certificações florestais
e agrícola ou pela geração da capacidade para grupos de produtores se
certificarem e encontrarem um mercado. Sempre na perspectiva da certificação
como instrumento de fortalecimento e qualificação da produção familiar.
Mais recentemente,
passamos também trabalhar com extrativistas e agricultores (principalmente de
café e cacau) para que implementem boas práticas de manejo e produção e se
insiram em cadeias produtivas diferenciadas, com agregação de valor a seus
produtos, independente da certificação. Temos sido uma ponte entre as
associações e cooperativas de produtores, a técnica, a inovação, o mercado e
algumas políticas públicas.
Radar – Como inserir a agricultura familiar na agenda
ambiental?
A agricultura
familiar tem a vocação da agenda ambiental, por ser feita em sistemas de
produção mais diversos e menos intensivos que as grandes monoculturas. Falta
isto ser melhor comunicado ao longo das cadeias produtivas e a sociedade, e
falta também os agricultores serem remunerados por isto. Por isto, o esforço do
IMAFLORA em aumentar o acesso deste público às certificações. Mas precisamos de
outros instrumentos econômicos que reconheçam e incentivem ainda mais o
desempenho ambiental da produção e modo de vida da agricultura familiar e do
extrativismo de populações tradicionais.
Radar – O mercado é uma oportunidade ou uma ameaça à
produção familiar?
Há uma variedade de
mercados para a produção familiar. O natural e a sua vocação é a do mercado
local, com a produção sendo distribuída e comercializada localmente, seja de
produtos in natura ou processados em agroindústrias também familiares, ou ainda
de grupos de agricultores.
A produção familiar
também tem tido uma crescente importância em fornecer alimentos para os
programas oficiais de escolas e outras entidades públicas locais. Mas, não
podemos perder de vista que os produtos familiares também estão presentes em
redes de supermercados ou em cadeias produtivas de commodities, como do café,
cacau, leite e até da soja. Para cada realidade, é necessário um conjunto de
políticas e condições para que os agricultores atuem com sucesso e
independência e mantenham a sua atividade na terra, motivando seus filhos e
filhas a permanecerem no campo como protagonistas de suas famílias e da
economia brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário