quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A Agricultura familiar deve ser protagonista do projeto de desenvolvimento do País



O combate à pobreza passa pela utilização de políticas públicas capazes de incentivar o crescimento da agricultura familiar. Essa é uma das razões apontadas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para declarar 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar. Para a FAO, a atividade, tem papel fundamental no cumprimento do primeiro objetivo do desenvolvimento do milênio, além de desempenhar outros papeis, como a preservação dos alimentos tradicionais, a proteção da agrobiodiversidade e dos recursos naturais, além da proteção social e das economias locais.  

O tema está na agenda do IMAFLORA desde que foi fundado em 1995, e é analisado aqui, em suas diversas dimensões, pelo engenheiro agrônomo e gerente de certificação agrícola, do Instituto, Luís Fernando Guedes Pinto.

Radar – Qual o papel da agricultura familiar e como você vê a iniciativa da ONU?
A agricultura familiar tem múltiplos e fundamentais papéis no Brasil e no mundo. É a principal atividade econômica e a responsável pela segurança alimentar de milhões de famílias. Contribui decisivamente para a produção de alimentos que vão à mesa da nossa população, como arroz, feijão, mandioca, leite e diversos outros produtos que estão nas feiras livres, mercados locais e até nos grandes supermercados. Além disso, garante a manutenção de uma base genética de várias espécies cultivadas e, por vocação, é um laboratório para a inovação em produção agroecológica.
A iniciativa da FAO é muito importante para chamar a atenção da população e dos tomadores de decisão sobre a importância da agricultura familiar, em escala global. Porém, acho que a ambição da FAO e dos países deveria ir muito além da questão da redução da pobreza. A agricultura familiar pode, e deve, ter protagonismo em um projeto de desenvolvimento do País, incorporando as dimensões econômicas, sociais e ambientais. Deve-se considerar que é necessário um conjunto de políticas públicas para alcançar este ambicioso objetivo: extensão rural, educação, crédito, seguros, pesquisa e outros instrumentos para uma mudança de escala e qualidade da agricultura familiar. 

Radar – Qual é a realidade da agricultura familiar no Brasil? Qual sua importância para o Brasil?
A realidade no Brasil é muito diversa e, talvez, desconhecida do nosso povo. A sua abrangência é definida pela Lei 11.326, publicada em 2006, e compreende uma ampla diversidade de populações, entre agricultores, silvicultores, pescadores, extrativistas e até povos indígenas. Todos tem em comum a produção em pequenas propriedades, a maior parte do trabalho realizado pela família, e a atividade agropecuária, florestal ou extrativista como a principal fonte de renda, entre outros aspectos.
No Brasil este universo representa por volta de 80% dos estabelecimentos rurais, mas ocupando apenas aproximadamente 25% da área total, tendo participação importante na produção de diversos produtos da nossa base alimentar. 
Portanto, há uma grande diversidade de perfis de agricultores e modos de produção, e isso se acentua regionalmente, com realidades muito diferentes entre um extrativista da Amazônia, um pescador de Santa Catarina, uma agricultora do Nordeste ou do cinturão verde da cidade de São Paulo. Mas, de modo geral, a agricultura familiar está dividida entre os projetos mais estruturados, que conseguem produzir, gerar riqueza e manter ou melhorar a qualidade de vida da família e aqueles que continuam lutando pela sobrevivência e a superação da pobreza. No balanço, estamos longe do potencial que a agricultura familiar poderia estar. Ainda não conseguimos formular e implementar um conjunto de políticas consistentes para alavancar a agricultura familiar.  

Radar – Como o trabalho do IMAFLORA se insere na agricultura familiar e porque essa atividade foi escolhida como uma das áreas de atuação prioritária da instituição? Onde atua e com quais trabalhos?
O IMAFLORA trabalha com extrativistas da Amazônia e agricultores e agricultoras familiares de algumas regiões do país, em duas frentes distintas e complementares. Historicamente, a  principal delas tem sido gerar capacidade e condições para estes terem acesso e possibilidade de participarem e se beneficiarem da certificação socioambiental. As certificações podem gerar oportunidades de inserção em mercados diferenciados e promover melhorias de gestão, conservação ambiental e condições de trabalho em empreendimentos florestais e agrícolas. Mas tendem a ser pouco acessíveis para os agricultores familiares. O nosso trabalho tem sido de aumentar a inclusão, seja por meio de subsídios de custos de auditorias de certificações florestais e agrícola ou pela geração da capacidade para grupos de produtores se certificarem e encontrarem um mercado. Sempre na perspectiva da certificação como instrumento de fortalecimento e qualificação da produção familiar.
Mais recentemente, passamos também trabalhar com extrativistas e agricultores (principalmente de café e cacau) para que implementem boas práticas de manejo e produção e se insiram em cadeias produtivas diferenciadas, com agregação de valor a seus produtos, independente da certificação. Temos sido uma ponte entre as associações e cooperativas de produtores, a técnica, a inovação, o mercado e algumas políticas públicas.  

Radar – Como inserir a agricultura familiar na agenda ambiental?
A agricultura familiar tem a vocação da agenda ambiental, por ser feita em sistemas de produção mais diversos e menos intensivos que as grandes monoculturas. Falta isto ser melhor comunicado ao longo das cadeias produtivas e a sociedade, e falta também os agricultores serem remunerados por isto. Por isto, o esforço do IMAFLORA em aumentar o acesso deste público às certificações. Mas precisamos de outros instrumentos econômicos que reconheçam e incentivem ainda mais o desempenho ambiental da produção e modo de vida da agricultura familiar e do extrativismo de populações tradicionais.  

Radar – O mercado é uma oportunidade ou uma ameaça à produção familiar?
Há uma variedade de mercados para a produção familiar. O natural e a sua vocação é a do mercado local, com a produção sendo distribuída e comercializada localmente, seja de produtos in natura ou processados em agroindústrias também familiares, ou ainda de grupos de agricultores.
A produção familiar também tem tido uma crescente importância em fornecer alimentos para os programas oficiais de escolas e outras entidades públicas locais. Mas, não podemos perder de vista que os produtos familiares também estão presentes em redes de supermercados ou em cadeias produtivas de commodities, como do café, cacau, leite e até da soja. Para cada realidade, é necessário um conjunto de políticas e condições para que os agricultores atuem com sucesso e independência e mantenham a sua atividade na terra, motivando seus filhos e filhas a permanecerem no campo como protagonistas de suas famílias e da economia brasileira.  



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