Em 1992, os representantes de 108 países se reuniam na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de
Janeiro. Se por um lado, o encontro foi um marco por ter avançado em uma série
de temas, como o do desenvolvimento sustentável, por outro, não conseguiu
implementar alguns compromissos, como o do Princípio 10, da Carta do Rio. A Carta do Rio foi assinada ao fim do
encontro e os países signatários se comprometiam com 27 artigos que tinham a intenção de proteger o meio
ambiente “reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra”.
O Princípio 10 é conhecido como o da democracia
ambiental. Assegura a participação do cidadão nas instâncias de decisões dos
governos sobre as questões ambientais e o acesso à informação e à justiça,
nesses temas.
O compromisso foi retomado na RIO+20 e a Comissão
Econômica para América Latina e Caribe, CEPAL, passou a secretariar rodadas de
negociações com vistas a assinatura de um acordo regional sobre o Princípio.
Esse ano, pela primeira vez, o Brasil vai sediar uma dessas rodadas. Elas
acontecerão dos dias 20 a 24 de março em Brasília. O IMAFLORA está participando
ativamente desse debate e quem explica sua importância é o coordenador de
políticas públicas, Renato Morgado.
Radar – Como é que democracia e meio ambiente se
relacionam?
Renato - As soluções dos desafios socioambientais de
nossa época passam, necessariamente, por políticas elaboradas com intensa
participação da sociedade e total transparência das ações públicas e privadas
que afetam a qualidade ambiental.
A gestão das águas com a participação dos usuários, a
divulgação do grau de cumprimento do Código Florestal pelos proprietários
rurais, a prestação de contas sobre as metas de redução de emissão de gases do
efeito estufa, a elaboração de políticas de mobilidade que incorporem as
demandas dos ciclistas, por exemplo, são condições para que essas agendas
avancem.
As profundas e urgentes mudanças de rumo na forma como
vivemos, produzimos, consumimos, nos movemos e utilizamos o solo, demandam
pactos, confiança, legitimidade, ampla compreensão dos problemas, bom uso dos
recursos públicos e inclusão daqueles que historicamente não estão nas mesas de
decisão. Nada disso é integralmente possível sem a intensificação da
participação e da transparência.
Radar – O que podemos esperar da rodada de negociações
em Brasília?
Renato - O Princípio 10 voltou à agenda durante a RIO+20, em 2012,
quando alguns países de América Latina e do Caribe decidiram iniciar um
processo de construção de um acordo regional sobre o tema. O processo tem
avançado, com a adesão crescente de países, desde então. Atualmente são 23. Um dos aspectos positivos
da rodada que acontecerá no Brasil é a oportunidade de difundir o processo e o
tema tanto para a população brasileira, quanto para os próprios órgãos de
governo. Também espero que a partir dessa reunião no Brasil o governo
brasileiro assuma uma postura mais ambiciosa em relação ao tema, o que inclui
defender que o documento final seja legalmente vinculante, ou seja, que tenha
força de lei nos países que o adotarem. O acordo possui o potencial de criar
novas regras e práticas que contribuam para o aprofundamento da Democracia
Ambiental no Brasil e na região e seu caráter vinculante é essencial para que
isso ocorra.
Radar - Você tem
representado o IMAFLORA em outra pauta, a de governo aberto, que tem afinidades
com o Princípio 10. Como é que os dois temas conversam?
Renato - São muito complementares. O Princípio 10 define
que os acessos à participação, à informação e à justiça pelos cidadãos, além de
serem direitos destes, são condições para avançarmos em direção à
sustentabilidade socioambiental. Já governo aberto é um conceito mais recente e
que integra às ideias de participação, transparência, prestação de contas e o uso
de inovação e tecnologia cívica. Esse conceito ganhou força especialmente a
partir de 2011 com a criação da Open Government Partnership - OGP (Parceria
para Governo Aberto), que já conta com a participação de mais de 70 países.
Governo Aberto traz a ideia de que o aprofundamento democrático, potencializado
pelo uso de tecnologias de comunicação e de informação, é condição para
criarmos políticas e soluções públicas capazes de enfrentar desafios nos mais
diferentes temas. Apesar do enorme potencial da relação entre a comunidade de
Governo Aberto e as organizações e pautas socioambientais, ainda existe um
forte distanciamento entre estes dois mundos, que falam diferentes línguas e
participam de espaços diferentes.
Radar – Por fim, o que você acha que poderia ter
acontecido de forma diferente, se o Princípio da democracia ambiental fosse
implementado, desde 1992?
Renato - Certamente teríamos construídos políticas
ambientais mais robustas e efetivas, o que implicaria em termos avançado mais
na solução de diferentes desafios ambientais, como a redução da emissão de
gases do efeito estufa e a exploração ilegal de madeira na Amazônia. Também
teríamos uma quantidade menor de conflitos socioambientais nas várias maneiras em que eles podem se
materializar, sejam conflitos originados pelo uso de recursos naturais, ou pela localização de
empreendimentos com potencial poluidor, entre outros aspectos. Quando se coloca todos os atores na mesa pra negociar, a chance de termos relações pactuadas
e de garantirmos os direitos das populações mais afetadas, é bem maior.
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