Por mais que possa parecer discurso de ecochatos, existe uma real urgência social e econômica que justifica continuar trabalhando pela meta de redução do desmatamento da Amazônia e Cerrado. Florestas, água e solos saudáveis formam a base econômica de qualquer produção agrícola. O setor agropecuário é um dos mais afetados pelos fenômenos
climáticos. O desmatamento impacta o produtor porque contribui para a
instabilidade climática que muda o comportamento das pragas e doenças,
altera a produtividade esperada, dificulta a irrigação e aumenta o
uso de fertilizantes e agroquímicos. As enchentes, secas e
temperaturas irregulares causam quebras de safra. Os gastos públicos
tendem a aumentar a cada ano para lidar com os extremos.
Do lado econômico, os prejuízos já foram computados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e disseminados
pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)1.
Os números mostram que a agropecuária decresceu 3,4% em função do
forte efeito do El Niño em 2016. As culturas mais impactadas pela redução
dos índices de produtividade foram o milho (-20,5%) e arroz (-14,7%). Um
dos resultados de pesquisa de um grupo de cientistas da Universidade de
Lancaster no Reino Unido, que inclui vários brasileiros2, mostrou que
o El Niño de 2016 lançou 30 milhões de toneladas de carbono na atmosfera.
Não vai acontecer de novo?
Para não contar com a sorte e evitar o pior cenário, as
escolhas do produtor dentro da porteira são importantes. Porém, tanto
ambientalistas quanto representantes do setor produtivo concordam que é de fora
para dentro da porteira que os incentivos precisam existir para que uma
gama maior de produtores saia ganhando, conversando a floresta.
Estudiosos do setor levantam as barreiras persistentes, mas também indicam
algumas saídas.
Um estudo conduzido por pesquisadores do Imaflora³ e do Climate Focus4 mostra que os compromissos de desmatamento zero assumidos
pelas cadeias da soja e carne no Brasil foram e continuam sendo importantes, mas não são suficientes para superar as barreiras e
desafios enfrentados pelos produtores5.
Por exemplo, a Moratória da Soja assinada em 2006 pelos
grandes exportadores reduziu o desmatamento associado a esta
commodity no bioma Amazônia. O sucesso deste mecanismo pode ser
explicado pelo fato de que a pressão internacional por uma cadeia livre de
desmatamento desencadeou ações concretas e em escala no setor.
Por outro lado, no setor da carne bovina, os dois compromissos vigentes desde 2009 ainda não evitam o desmatamento na escala esperada. Apesar dos avanços no monitoramento dos fornecedores diretos de gado, tanto o Compromisso Público da Carne, assinado pelos três grandes frigoríficos brasileiros,
quanto o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado por 79 frigoríficos
e o Ministério Público Federal tiveram como efeito prático a exclusão de
produtores que desmatam. Mas estes mecanismos ainda não chegaram aos
fornecedores indiretos de animais (criadores dos bezerros, por
exemplo), dando espaço para que o desmatamento continue.
A pergunta que não quer, e não pode calar, é: como apoiar
os produtores médios e pequenos a conciliar uma produção economicamente
viável com a manutenção das florestas em suas propriedades?
É preciso repactuar a cooperação pública e privada.
Pesquisadores não se furtam a indicar ações prioritárias, entre elas:
- Destinar crédito agrícola para recuperação de áreas
degradadas. Estima-se que existam mais de 60 milhões de hectares de solos
degradados no Brasil. É urgente a revisão das estratégias do Plano Safra, Pronaf e das
regras de alocação destes créditos para promover a recuperação e uso de áreas
degradadas para produção agropecuária. O elevado custo para recuperação destas
áreas deveria ser apoiado por um programa subvencionado pelo Estado e condicionado
à eliminação do desmatamento. O resultado seria o aumento da renda ao
produtor e a economia dos reparos ambientais, causados pelos eventos climáticos
extremos. Contudo, sem regularização fundiária o acesso ao crédito não se
concretiza. Por isso, este é um fator chave na equação.
- Compromissos de compra associados a incentivos ao
produtor. Sozinho, o produtor terá muita dificuldade para aprimorar suas
técnicas. As transações vinculadas a condições ambientais exigem incentivos
adicionais (por exemplo, suporte técnico, pagamento de prêmio pelos produtos
diferenciados e pelos serviços ambientais). Poucas empresas da cadeia de
fornecimento fornecem apoio ao produtor para a transição sustentável e a maioria
não considera que deva assumir esta responsabilidade.
- Parcerias público-privadas em escala territorial. Embora
as empresas possam se comprometer com a conformidade legal e com compras livres
de desmatamento, sozinhas elas também não resolverão o problema. A mudança
nos territórios depende fortemente do setor público, na escala estadual e
municipal. Já existem arranjos institucionais mais amplos que colocam em volta
da mesa produtores de soja, criadores de gado, produtores de outras
commodities, indústrias nacionais e globais, bancos, fundos de investimento e
governos para pensar e reordenar o uso da terra. A costura de tais arranjos pode
não ser trivial, mas não pode ser abandonada para que a questão do desmatamento
possa ser equacionada de forma ampla e em escala.
Finalmente, manter a floresta em pé é manter o sistema
produtivo vivo, onde o equilíbrio e a integração das áreas sequestra
carbono, produz água e reduz as variações meteorológicas. A responsabilidade
ambiental e
produtiva precisa ser compartilhada por atores públicos e
privados para conter o risco de aquecimento global a tempo.
1.
https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/boletins/1-boletim_comunicado_tecnico_-_safra_de_graos_0.16276200%201514916975.pdf
2. https://royalsocietypublishing.org/toc/rstb/373/1760
3. http://www.imaflora.org
4. https://www.climatefocus.com/
5.
https://www.climatefocus.com/projects/drivers-and-incentives-leadproducers-change-practices-more-sustainable-operations
Marina Piatto é mestre em Agricultura Tropical pela Universidade de Bonn na Alemanha e gerente da Iniciativa
de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
Isabel Garcia Drigo é doutora em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo e AgroParisTech na França e coordenadora de projetos na Iniciativa de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
Fonte: Valor Econômico
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