Estudo analisou pela primeira vez os efeitos da aplicação
do artigo 68 do Código Florestal.
O artigo 68 do Código Florestal determina que os
proprietários de terra que realizaram a supressão de vegetação nativa conforme
percentuais de reserva legal previstos pela legislação vigente na época da
supressão estão dispensados de cumprir os percentuais previstos no Código atual
(de 20% a 80%, dependendo do bioma). As dificuldades metodológicas de estimar o
efeito desta regra são enormes mas, pela primeira vez, um estudo acadêmico
desenvolveu uma estimativa para o Estado de São Paulo: a dispensa máxima, caso
todos os proprietários rurais optem por utilizar o mecanismo definido no artigo
68, implicará numa redução de 865 mil para 358 mil hectares, dispensando 507
mil hectares de Reserva Legal a ser compensada ou restaurada no estado de São
Paulo, ou seja, uma redução de 59%.
A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores da
Esalq/USP, Imaflora, Agrosatélite Geotecnologia Aplicada, Universidade de São
Paulo e Universidade Federal de São Carlos, que utilizaram o Estado de São
Paulo como estudo de caso. Foram usadas referências legais e dados espaciais
para dois cenários, além de uma linha de base, que não incluiu os efeitos do
artigo 68. O primeiro cenário considerou uma única referência legal, a Lei da
Floresta de 1965. Neste cenário, os déficits de reserva legal caem 49% quando
comparados ao cenário de base, dispensando os proprietários de terra da
obrigação de restaurar ou recompor 423 mil hectares de vegetação nativa.
O outro cenário incluiu a Lei Federal de proteção do
Cerrado de 1989 (cenário "1965/89") como segunda referência. Neste
caso, a dispensa da obrigação de restauração ou recomposição alcançou 507 mil
ha de vegetação nativa. Isso significa uma redução de 59% do déficit de reserva
legal em comparação ao cenário base. O efeito da redução adicional do cenário
1965/89 ocorre devido a interpretação de que vegetações de fisionomias abertas
foram preservadas apenas a partir da Lei de 1989. "Como agravante, neste
segundo cenário, as áreas estão concentradas no Cerrado, bioma já bastante afetado
pela perda de vegetação nativa", afirma Paulo André Tavares, do
Departamento de Ciências do Solo da Esalq/USP e um dos autores do estudo.
No cenário "1965/89", enquanto a redução do
déficit de reserva legal foi de 4% para a Mata Atlântica, na área de Cerrado do
estado de São Paulo a redução foi de 50%. No intervalo de tempo compreendido
entre os dois cenários, o desmatamento do bioma se deu, principalmente, pela
expansão da plantação de cana-de-açúcar ligado aos incentivos do ProAlcool. O
estudo prevê que outras regiões que tiveram um histórico agrícola semelhante,
como Paraná, sul de Minas Gerais e sul de Mato Grosso do Sul poderão apresentar
um efeito semelhante na queda do déficit de reserva legal com a aplicação do
artigo 68. Mas, por enquanto, a estimativa deste efeito foi feita apenas para
São Paulo.
"A maior parte da área de cobertura de vegetação
nativa está localizada em terras privadas. Além da conservação da
biodiversidade e regulação climática, a manutenção dessas áreas tem relação com
serviços ecossistêmicos de interesse direto dos produtores, como a polinização
e o controle de pragas", ressalta Luis Fernando Guedes Pinto, engenheiro
agrônomo, pesquisador e gerente de políticas públicas do Imaflora (Instituto de
Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), outro dos pesquisadores envolvidos
no estudo. A vegetação das áreas de reserva legal desempenham também a função
de conectar áreas públicas protegidas, como Unidades de Conservação,
normalmente distantes umas das outras.
No bioma da Mata Atlântica, considerando os cenários
"1965" e "1965/89", o superávit de vegetação nativa foi
maior que os déficits totais da Reserva Legal. Assim, todo o déficit de reserva
legal na Mata Atlântica paulista poderia ser compensado dentro do Estado sem a
necessidade de restauração ou conversão de terras produtivas em vegetação
nativa. Já no Cerrado, somente no cenário "1965/89" é possível
superar a necessidade de restauração da vegetação nativa ou conversão de terras
produtivas. Porém, como os dois biomas já estão protegidos por leis de
conservação de vegetação nativa, a compensação de reserva legal não geraria uma
proteção adicional. Para o cenário "1965/89", o estudo defende que é
preciso investir em incentivos para a restauração da vegetação nativa, como
pagamentos por serviços ambientais (PSA) e outras formas de incentivo em terras
privadas ou pela criação de unidades de conservação públicas nas quais poderia
haver a compensação da Reserva Legal. A pesquisa foi apoiada pela Fundação de
Pesquisa de São Paulo - Fapesp e WWF-Brasil e foi publicada na edição mais
recente da revista Biota Neotropica. O estudo completo pode ser acessado aqui.
Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
(Imaflora) é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995 sob a
premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas
uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e à gestão
responsável dos recursos naturais. O Imaflora acredita que a certificação
socioambiental é uma das ferramentas que respondem a parte desse desafio, nos
setores florestal e agrícola, com forte poder indutor do desenvolvimento local
sustentável. Dessa maneira, busca influenciar as cadeias produtivas dos
produtos de origem florestal e agrícola, colaborar para a elaboração e
implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer a
diferença nas regiões em que atua, criando modelos de uso da terra e de
desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em diferentes
municípios, regiões e biomas do país.
Mais informações, aqui.
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