Cada lâmpada acesa no Brasil tem uma contribuição das
Unidades de Conservação (UCs), ainda que a maioria delas esteja localizada na
Amazônia. O estudo "Quanto vale o verde?" (1) sobre a importância
econômica dessas áreas protegidas estima que dependem das UCs mais de quatro a
cada 10 megawatts de energia gerada em usinas hidrelétricas, que respondem por
65% da eletricidade produzida no país (2). Além disso, aproximadamente um a
cada quatro litros de água consumidos no Brasil também dependem das UCs, na forma
de proteção de mananciais.
Os benefícios proporcionados por áreas de proteção
extrapolam os limites do território brasileiro. O mesmo estudo estima que as
Unidades de Conservação estoquem uma quantidade de carbono equivalente a 4,6
vezes o total das emissões brasileiras em 2016, contribuindo para conter os
efeitos das mudanças climáticas. Em resumo, cada US$ 1 investido nas UCs pode
gerar US$ 40 de retorno para a sociedade, sem contar os serviços
ecossistêmicos.
A visitação em áreas protegidas continua tendo grande
destaque como elemento de dinamização econômica. Cerca de 17 milhões de
visitantes foram registrados em 2016, com impacto sobre a economia estimado até
6 bilhões anuais, correspondendo a uma geração de 133 mil ocupações de
trabalho. A presença de UCs responde ainda por 44% do valor total do ICMS
ecológico dos municípios de treze estados brasileiros. Esse valor foi estimado
em R$ 776 milhões no ano de 2015.
Outro aspecto que merece destaque é a importância das
áreas protegidas para a saúde humana. Em um país com taxas de urbanização
altíssimas como o Brasil, os parques urbanos e naturais representam, em muitos
contextos, os últimos espaços onde a população pode desfrutar de um encontro e
de reconexão com a natureza. Estudos recentes têm demonstrado que estar na
natureza é essencial para a saúde e para o bem-estar humano, com impactos
positivos na redução do estresse e da depressão, recuperação de doenças,
promoção da interação social e estilos de vida mais saudáveis.
As unidades de conservação no país somam 1,6 milhão de
quilômetros quadrados no continente e mais 963 mil quilômetros quadrados no mar
(3). Essa extensão equivale a 18% da
área continental e 26% da área marinha, sob vários status de proteção. Cabe
ressaltar que apenas 6% da área terrestre do Brasil encontra-se em unidades de
proteção integral, que não permitem outras atividades econômicas para além do
turismo. Dos restantes 12% que estão no grupo de uso sustentável (que permitem
outras atividades econômicas), 5,4% estão em APAs (áreas com pouquíssimas
restrições ao uso da terra, inclusive com cidades e fazendas no seu interior) e
as demais incluem áreas que permitem a produção madeireira sustentável e
extrativismo de produtos como a castanha, açaí e borracha.
Essas atividades podem gerar significativa atividade
econômica para o país e constitui importante meio de geração de trabalho e
renda para as populações locais e tradicionais. Em 2016, a contribuição
econômica da produção de peixe, camarão e caranguejo oriunda de UCs foi de R$
29,2 milhões, com potencial de alcançar R$ 167 milhões anuais, se investimentos
no fortalecimento das cadeias produtivas e no manejo dessas áreas forem feitos.
A maior parte das Unidades de Conservação brasileiras
encontra-se na Amazônia. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação registra
28,1% do bioma Amazônia protegido. O percentual de proteção é menor nos demais
biomas: 9,5% da Mata Atlântica, 8,8% da Caatinga, 8,3% do Cerrado, 4,55% do
Pantanal e 2,86% do Pampa.
Além disso, existem no Brasil 723 terras indígenas, que
ocupam quase 14% do território brasileiro e protegem áreas de inestimável
riqueza natural, sobretudo na Amazônia, onde 25% do território está sob posse e
gestão indígenas. Esses territórios cumprem um papel importantíssimo na
proteção da floresta, e funcionam como uma barreira para evitar os avanços do
desmatamento.
Além do dispositivo constitucional, a criação,
reconhecimento e manutenção de áreas protegidas atendem a compromissos
internacionais no âmbito das convenções das Nações Unidas sobre Diversidade
Biológica e do Clima, para deter a perda de biodiversidade no planeta e conter
os efeitos do aquecimento global, além dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável.
Um patrimônio de todos os brasileiros, construído em
décadas – com benefícios tão tangíveis como a oferta de energia e água e com
papel relevante nas condições de vida na Terra – nunca esteve tão ameaçado como
agora.
Uma análise das iniciativas, decisões e declarações
públicas durante os primeiros meses do atual governo apontam para a
fragilização em curso das áreas protegidas e das autarquias que trabalham para
sua implementação no país.
Em maio deste ano, o Ministério do Meio Ambiente anunciou
a criação de um "grupo de trabalho" para a revisão geral dos limites
e categorias das 334 áreas de proteção federais, em todo o país, feita sem
justificativa técnica (8). Desde então, 67 alterações em UCs foram propostas
(9). Atualmente, dentre as principais ameaças, estão a proposta de reabertura
da Estrada do Colono (no Parque Nacional do Iguaçu), a redução do PN da Serra
da Bodoquena e do status de proteção do PN Campos Gerais, da Estação Ecológica
de Tamoios, PN Lagoa do Peixe, dentre outros.
Sob a atual gestão, também têm sido registradas taxas
crescentes e alarmantes de desmatamentos e de queimadas no país, especialmente
em áreas protegidas da Amazônia. Os alertas de desmatamento dentro dos limites
de UCs na Amazônia entre janeiro e setembro saltaram de 441 Km², em 2018, para
953 Km² neste ano - um aumento de mais de 110% (com base em dados do
DETER/INPE) nas perdas florestais em áreas dedicadas à conservação da vida
selvagem, de paisagens naturais e de serviços ecossistêmicos. Menos de 2% da
superfície das Terras Indígenas amazônicas foi desmatada até hoje, mas essa
figura vem mudando rapidamente: o desmatamento entre janeiro e setembro de 2019
é mais de 10 vezes superior ao do mesmo período de 2017 e cerca de 5% de todo o
desmatamento na Amazônia nesse ano ocorreu dentro de territórios indígenas,
segundo dados do INPE.
Tais dados evidenciam como o desmonte da área ambiental
também está atrelado ao enfraquecimento da fiscalização ambiental, com reflexos
diretos na redução de autos de infração e de multas aplicadas por toda sorte de
crimes ambientais, sobretudo em áreas protegidas.
Todavia, a pressão do governo à área ambiental não se dá
somente sobre políticas e ações setoriais, mas também diretamente na atuação de
servidores públicos. Entidades representativas desses trabalhadores, como
Asibama e Ascema, têm protagonizado protestos e denúncias públicas sobre
perseguições a servidores, nomeações e trocas de gestores de UCs sem a devida
qualificação técnica (10).
Este ano, o Fundo Amazônia não teve nenhum projeto
aprovado. Em 2018, R$ 191 milhões foram revertidos a 11 iniciativas. O discurso
e ações do atual governo resultaram na paralisação dos repasses por parte dos
países doadores. Recentemente, foram alocados apenas R$ 2,2 bilhões para as
ações ambientais federais no Plano Plurianual 2020-2023. O orçamento da pasta
ambiental figura historicamente entre os mais baixos da Esplanada e, em 2019,
foi de apenas R$ 2,8 bilhões.
Diante desses fatos, o governo brasileiro demonstra que
não compreende a relevância e o potencial das unidades de conservação, terras
indígenas e demais áreas protegidas. Durante esses 10 primeiros meses de
gestão, não apresentou propostas e avanços significativos nessa agenda, apesar
das inúmeras oportunidades e potencialidades existentes. Destaca-se ainda, a
ausência de protagonismo e representação governamental durante o Terceiro
Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e Caribe, enquanto ministros e
representantes de alto nível de diversos países estiveram presentes,
apresentando seus compromissos de investimentos e boas práticas nessa agenda.
O desmonte ambiental em curso ameaça não apenas um
patrimônio natural construído ao longo de décadas, mas o desenvolvimento
econômico e social, e o bem-estar dos brasileiros e das futuras gerações em
todo o planeta. O Brasil precisa garantir a efetividade das suas áreas
protegidas e o fortalecimento das políticas públicas associadas.
Assinam essa carta:
A Coalizão Pró-Unidades de Conservação*
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Fundação SOS Mata Atlântica
Fundação Vitoria Amazônica
Instituto Curicaca
Instituto de Manejo e Certificação Florestal (Imaflora)
Instituto Mapinguari
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Movimento Conservatio - Cultura de Áreas Protegidas
Rede Pró-UC
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
The Nature Conservancy (TNC-Brasil)
WWF-Brasil
Sobre a Coalizão Pró-UC
A Coalizão Pró Unidades de Conservação da Natureza
(Pró-UC) é uma rede de instituições da sociedade civil, que tem como objetivo
promover, junto à sociedade, o que consideramos as melhores e mais eficientes
formas de proteger e conservar o patrimônio natural brasileiro, para essa e as
futuras gerações. Para tanto, promove a articulação entre os setores, o debate
junto à sociedade e desenvolve estratégias para o fortalecimento das Unidades
de Conservação (UCs) em todo o território nacional.
Integram a Coalizão, Conservação Internacional
(CI-Brasil), Fundação Grupo Boticário para a Conservação da Natureza, Fundação
SOS Mata Atlântica, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
(IMAFLORA), Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE), Instituto Semeia, Rede
Nacional Pró Unidades de Conservação, The Nature Conservancy (TNC), União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN-Brasil) e WWF-Brasil.
Referências
(1) YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann; MEDEIROS, Rodrigo
(org). Quanto vale o verde: a importância econômica das Unidades de Conservação
brasileiras. Conservação Internacional. Rio de Janeiro, 2018.
(2) EPE, Empresa de Pesquisa Energética. Matriz
energética e elétrica. Disponível em:
http://epe.gov.br/pt/abcdenergia/matriz-energetica-e-eletrica. Consulta em
27/05/2019
(3) MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Painel Unidades de Conservação
Brasileiras. In Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Consulta em
27/05/2019
(4) MACIEL, Marcela Albuquerque. Unidades de Conservação:
breve histórico e relevância para a efetividade do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Revista Âmbito Jurídico.
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9870
(5) MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Tabela consolidada das
Unidades de Conservação. Disponível em http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80229/CNUC_FEV19%20-%20B_Cat.pdf
(6) WWF-Brasil. Unidades de Conservação sob Risco.
Ofensiva contra áreas protegidas abrange uma área quase do tamanho de Portugal.
Dossiê Brasil. 2017. Disponível em:
https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/dossiebrasil_v9_2.pdf
(7) Pack, et al. 2016. Protected area downgrading,
downsizing, and degazettement (PADDD) in the Amazon. Biological Conservation
197: 32-39
(8) BORGES, André. Governo fará revisão geral das 334
áreas de proteção ambiental no País. O Estado de S. Paulo. 10 de maio de 2019.
Disponível em:
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,governo-fara-revisao-geral-das-334-areas-de-protecao-ambiental-no-pais,70002822999
(9) Processo SEI ICMBio 02070.005443/20019-71 e revista
Exame em 12 de junho de 2019. Disponível:
https://exame.abril.com.br/brasil/ongs-criticam-decisao-de-reduzir-unidades-de-conservacao-ambiental/
(10) Portal G1 em 11 de outubro de 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/10/11/justica-federal-do-rs-suspende-nomeacao-de-indicada-por-deputado-para-chefiar-de-parque-nacional-da-lagoa-do-peixe.ghtml
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