Em outubro do ano passado, nós, os ex-ministros de Estado
do Meio Ambiente, alertamos sobre a importância de o governo eleito não
extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris. A
consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática,
ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para
impulsionar o desenvolvimento do país no século 21.
Passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas
em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a
credibilidade internacional do país.
Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário.
Insistimos na necessidade de um diálogo
permanente e construtivo.
A governança socioambiental no Brasil está sendo
desmontada, em afronta à Constituição.
Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes,
que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas
públicas do Ministério do Meio Ambiente: entre elas, a perda da Agência
Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o
Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e,
agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho
Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes. Nas últimas
três décadas, a sociedade brasileira foi capaz, através de sucessivos governos,
de desenhar um conjunto de leis e instituições aptas a enfrentar os desafios da
agenda ambiental brasileira nos vários níveis da Federação.
A decisão de manter a participação brasileira no Acordo
de Paris tem a sua credibilidade questionada nacional e internacionalmente
pelas manifestações políticas, institucionais e legais adotadas ou apoiadas
pelo governo, que reforçam a negação das mudanças climáticas partilhada por
figuras-chave da atual administração.
A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema não
somente tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil,
comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza
com retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de
efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da
Política Nacional de Mudança do Clima.
Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado
do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao
crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para
o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política
recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que
custará muito caro a todos nós.
É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e
à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas
protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.
O discurso contra os órgãos de controle ambiental, em
especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do
INPE, cujo sucesso é auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária
e de pessoal dos órgãos. Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade,
que é a senha para mais desmatamento e mais violência.
Pela mesma moeda, há que se fortalecer as regras que
compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva
sistêmica, a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O
Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa ser fortalecido especialmente pelo
financiamento dos órgãos que o integram.
É grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento
ambiental, travestido de “eficiência de gestão”, num país que acaba de passar
pelo trauma de Brumadinho. Os setores empresarial e financeiro exigem regras
claras, que confiram segurança às suas atividades.
Não é possível, quase sete anos após a mudança do Código
Florestal, que seus dispositivos, pactuados pelo Congresso e consolidados pelo
Supremo Tribunal Federal, estejam sob ataque quando deveriam estar sendo
simplesmente implementados. Sob alegação de “segurança jurídica” apenas para um
lado, o do poder econômico, põe-se um país inteiro sob risco de judicialização.
Tampouco podemos deixar de assinalar a nossa preocupação
com as políticas relativas às populações indígenas, quilombolas e outros povos
tradicionais, iniciada com a retirada da competência da Funai para demarcar
terras indígenas. Há que se cumprir os preceitos estabelecidos na Constituição
Federal de 1988, reforçados pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a
comunidade internacional, há muitas décadas..
O Brasil percorreu um longo caminho para consolidar sua
governança ambiental. Tornamo-nos uma liderança global no combate às mudanças
climáticas, o maior desafio da humanidade neste século. Também somos um dos
países megabiodiversos do planeta, o que nos traz enorme responsabilidade em
relação à conservação de todos os nossos biomas. Esta semana a Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES),
considerada o “IPCC da biodiversidade”, divulgou o seu primeiro sumário aos
tomadores de decisão, alertando sobre as graves ameaças que pesam sobre a
biodiversidade: um milhão de espécies de animais e plantas no mundo estão
ameaçadas de extinção.
É urgente que o Brasil reafirme a sua responsabilidade
quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à
promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental, a
partir de ação firme e comprometida dos seus governantes.
Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E
isso se faz com quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública
de excelência, com a participação da sociedade e com inserção internacional.
Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em
pleno século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de
si próprio.
Rubens Ricupero
Gustavo Krause
José Sarney Filho
José Carlos Carvalho
Marina Silva
Carlos Minc
Izabella Teixeira
Edson Duarte
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